O cavalo subiu no telhado

 O cavalo subiu no telhado

Tiago Abud – Articulista e Defensor Público

Foto: Reprodução Rede Social

O mineiro Sebastião Salgado, ícone da fotografia mundial, através de suas lentes, retrata, em preto e branco, a violação a dignidade humana, pela vida precária decorrente da desigualdade social. Dentre seus trabalhos, Outras Américas mostra os pobres latino-americanos, Trabalhadores espelha o trabalho manual em várias partes do mundo e Êxodos chama a atenção para a grande diáspora mundial em busca de trabalho e melhores condições de vida, que redunda no desalojamento de pessoas.

É de Salgado a afirmação de que “a fotografia é o retrato da sociedade”. Abeberando-se da certeza do mestre, reflito aqui sobre a foto tirada, em meio a enchente que abateu o Rio Grande do Sul, de um cavalo ilhado sobre o telhado de uma casa. Ao ver aquela foto, a primeira coisa que me veio à cabeça foi a música de Caetano Veloso, testemunhando que “alguma coisa estava fora de ordem, fora da nova ordem mundial”.

Mas será mesmo que as coisas estão fora da ordem? Não me parece. A desgraça que nos abate é efeito colateral da busca por acúmulo de riqueza e lucro desenfreado. Catástrofes como aquela do Rio Grande do Sul hoje são previsíveis, porque os malefícios causados ao meio ambiente fizeram que alterações climáticas passassem a ser habituais. Assim como as águas de março não fecham mais o verão, ano após ano as chuvas fazem rios transbordar e a população sofre com as suas consequências. O resumo é que, se não se pode colocar na conta do imprevisível, o poder público passa a ter responsabilidade por suas omissões, no que se refere a adotar políticas públicas para preservar o meio ambiente e atuar para evitar os efeitos deletérios da sua degradação.

Aliás, sem o Estado, o pobre não tem direitos. O que antes servia de força de trabalho, com o avanço tecnológico e a inteligência artificial virou estorvo. Não é o mercado que vai se lembrar das pessoas em situação de rua, da população ribeirinha, dos povos originários ou quilombolas. O mercado e seus representantes têm aporofobia. A Faria Lima não faz a bolsa subir ou cair porque os pobres têm mais ou menos cobertor nas ruas de São Paulo.

Dinheiro é bom e todo mundo gosta. A solidez econômica de um país faz a vida prosperar, com emprego, renda e comida na mesa. Contudo, não se pode renunciar a um Estado que seja eficiente em cumprir as promessas constitucionais, porque se a boca feroz do mercado mata, a ineficiência estatal também. Em resumo, a preservação ao meio ambiente deve entrar na agenda pública de maneira urgente ou assistiremos a outros cavalos subirem no telhado.

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